sábado, 13 de agosto de 2011

Diálogo

Para Luiz Arthur Nunes

A: Você é meu companheiro.
B: Hein?
A: Você é meu companheiro, eu disse.
B: O quê?
A: Eu disse que você é meu companheiro.
B: O que é que você quer dizer com isso?
A: Eu quero dizer que você é meu companheiro. Só isso.
B: Tem alguma coisa atrás, eu sinto.
A: Não. Não tem nada. Deixa de ser paranóico.
B: Não é disso que estou falando.
A: Você está falando do quê, então?
B: Eu estou falando disso que você falou agora.
A: Ah, sei. Que eu sou teu companheiro.
B: Não, não foi assim: que eu sou teu companheiro.
A: Você também sente?
B: O quê?
A: Que você é meu companheiro?
B: Não me confunda. Tem alguma coisa atrás, eu sei.
A: Atrás do companheiro?
B: É.
A: Não.
B: Você não sente?
A: Que você é meu companheiro? Sinto, sim. Claro que eu sinto. E você, não?
B: Não. Não é isso. Não é assim.
A: Você não quer que seja isso assim?
B: Não é que eu não queira: é que não é.
A: Não me confunda, por favor, não me confunda. No começo era claro.
B: Agora não?
A: Agora sim. Você quer?
B: O quê?
A: Ser meu companheiro.
B: Ser teu companheiro?
A: É.
B: Companheiro?
A: Sim.
B: Eu não sei. Por favor não me confunda. No começo era claro. Tem alguma coisa atrás, você não vê?
A: Eu vejo. Eu quero.
B: O quê?
A: Que você seja meu companheiro.
B: Hein?
A: Eu quero que você seja meu companheiro, eu disse.
B: O quê?
A: Eu disse que eu quero que você seja meu companheiro.
B: Você disse?
A: Eu disse?
B: Não, não foi assim: eu disse.
A: O quê?
B: Você é meu companheiro.
A: Hein?
(ad infinitum)

In: ABREU, Caio Fernando. Morangos Mofados. Brasiliense: São Paulo, 1982.

2 comentários:

  1. Para mim este é um dos contos mais enigmáticos do Caio. Do que ele está falando, afinal?
    Acho que foi publicado pela primeira vez no Morangos Mofados, mas está também no Teatro Completo. Fico me perguntando como poderia ser encenado... De mil formas certamente!
    Percebemos um alguém que sabe o que quer – “Eu vejo. Eu quero.” – deparando-se com a indecisão de outro alguém, com o qual parecia contar. Mas quem são A e B?
    Dá primeira vez que li, deparei-me com um texto sobre dois militantes políticos. A precisava sentir o apoio de B, que parecia estar prestes a recuar.
    Tempos depois, entendi tratar-se de um casal, talvez homossexual, talvez não, mas de certo B não está tão disposto a assumir o relacionamento quanto A.
    Em cada leitura um conto, uma nova história.
    No final, fica sempre esta sensação de necessidade do outro, de insegurança e de carência tão típicas nos contos do Caio.

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  2. Caramba, eu pensei a mesma coisa sobre o casal homossexual, a insegurança de A me passa uma sensação de amor não correspondido.

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