Primeiro você cai num poço. Mas não é ruim cair num poço assim de repente? No começo é. Mas você logo começa a curtir as pedras do poço. O limo do poço. A umidade do poço. A água do poço. A terra do poço. O cheiro do poço. O poço do poço. Mas não é ruim a gente ir entrando nos poços dos poços sem fim? A gente não sente medo? A gente sente um pouco de medo mas não dói. A gente não morre? A gente morre um pouco em cada poço. E não dói? Morrer não dói. Morrer é entrar noutra. E depois: no fundo do poço do poço do poço do poço você vai descobrir quê.
In: ABREU, Caio Fernando. O ovo apunhalado. Porto Alegre: L&PM, 2001.
Este conto leva-me a pensar nos momentos de angústia pelos quais todos passamos uma vez ou outra na vida.
ResponderExcluirA foto que ilustra o posto foi muito bem escolhida, pois trasmite angústia, opressão, momentos kafkianos, ou seja, sem saída.
Lembro de Dostoiveski que disse algo como 'o ser humano é capaz de adaptar-se a tudo'.
E 'no poço' Caio traz esta situação. Um poço é horrível, no início, mas vamos nos acostumando a ele, a sua umidade, ao seu lino, a sua profundidade.
Num dia como o de hoje em que, como muitos outros, fiquei chocada com a morte de Amy Winehouse, apesar de, infelizmente, acompanharmos a sua autodestruição em praça pública, pensei nos vícios nos afundando cada vez mais. Levando-nos cada vez mais ao fundo do poço.
Como no conto de 13 de julho, "Aqueles dois", neste "Nos Poços", Caio tem um final de arrepiar. Aliás, penso que alguns autores têm os primeiros parágrafos de arrepiar e o Caio tem os últimos parágrafos provocadores, perturbadores que me deixam pensando no conto por dias, horas, meses...
Achei lindo quando ele disse: "Morrer não dói. Morrer é entrar noutra". Atrevo-me a acrescentar que morrer não dói, o que dói é a vida.
Magnífico
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